segunda-feira, 24 de outubro de 2016

SEMINÁRIO: " Luísa Tavares Moreira à conversa com Mário Augusto - Educar para a Inclusão : um desafio para pais e escolas"

No passado dia 30 de setembro, docentes do Departamento da Educação Especial assistiram e participaram num debate sobre Inclusão com a presença do jornalista Mário Augusto e de Ana Rita, sua filha, portadora de paralisia cerebral.
Foi moderadora desta iniciativa Luísa Tavares Moreira, coordenadora local da Cruz Vermelha Portuguesa.
A propósito do tema em causa, a Inclusão, convidamos à leitura do texto abaixo, cujo autor é Mário Augusto.

 

Acho que foi numa crónica de Luís Fernando Veríssimo que li uma frase que me ficou a bater. Com um saber de escrita que sempre me impressionou e admiro, dizia ele sobre os filhos: "... A verdade é que a gente não faz filhos. Só desenhamos o layout. São eles que fazem a arte final".
Não podia concordar mais. Nos tempos de agora, podemos fazer tudo por tudo para lhes traçar o destino como quem escreve o guião de um filme, mas é sempre um argumento com final aberto. É verdade que eles já trazem um rascunho agarrado aos genes, o traço fino da boca, um sinal escondido no corpo copiado do pai ou da mãe, a cor dos olhos ou o desenho do nariz. Às vezes há até uma aptidão que se revela, um tique de infância para que a avó possa dizer, orgulhosa: “É a tua carinha chapada... o feitio decalcado... Também fazias isto...”. Ditos com a certeza e a confiança de que a continuidade do nome de família está bem entregue.
Como diz Veríssimo, isso é o layout. A verdade é que é no mundo, à saída da porta de casa, que tudo se vai definindo e se faz a arte final de um projeto de vida. É a atravessar a rua dessas vivências que tudo vai ganhando carreiro. Há sortes, há empenho, mas há componentes desse desenho que a misteriosa da vida esconde para revelar por bem ou por mal, conforme o caminho: um dia menos bom no cruzamento com supostos amigos, talvez um professor que lhe desenha numa simples palavra os traços de carácter e as boas opções (é também esse um papel fundamental da escola e dos docentes). Mas há também os azares de uma companhia que lhes pode traçar a opção de um momento, seguir por aqui ou por ali, num caminho menos fácil nesses cruzamentos do crescimento, enquanto se vai esboçando a arte final.
Hoje, os nossos filhos e todos esses artistas de vida não têm tarefa fácil, por muito bom e sólido que seja o projeto, o tal layout.
Ao crescerem, eles ainda não sabem rabiscar forte, mas, cabe a todos nós, pais e educadores, estarmos atentos. Cuidadosos devemos ir alertando para que o lápis que lhe desenha a arte final seja colorido, multicores, se possível. Gostava que da mão do meu filho saísse um desenho que pode não ser de grande formato, mas que esteja cheio de pormenores, com o requinte das vivências.
Gostava de ver uma arte final que nem a todos encanta (na vida, a unanimidade da opinião coletiva não confirma nem identifica os mais determinados, os frontais), mas, sem agrado coletivo, o desenho a todos deve tocar pelo traço fino do carácter e das opções de vida.
Não é fácil, este mundo preocupa-me. Há muita baralhação por estes tempos. Muitos dos que crescem agora não aprendem a desenhar, optam pela fotocópia mal-amanhada, um layout emprestado ou simples contrafação de desenho social.
A escola anda em convulsão, os jogos são de guerra, aprende-se a matar na PlayStation sem contemplações pela vítima, mero jogador virtual. As actividades extracurriculares são competição pura, sem valores. Tudo é moeda de troca e tem uma cotação.
Quando comecei a aprender a desenhar a vida (ainda hoje estou para apresentar a tese...), lembro-me de deixar copiar pequenas equações da geometria descritiva do crescimento. Lembro-me de emprestar um lápis ou guache para que outros “coleguinhas” dessem cor a desenhos mais tristes. Hoje os miúdos estabelecem um preço para tudo. O mundo faz-lhes isso.
O que simplesmente eu desejo para um filho ( é o que peço aos educadores atentos fora de portas ) é simplesmente a folha de papel sem dobras nem rasuras. É uma borracha novinha para que possa apagar cada linha mais torta, cada traço sem intenção. E, claro, um afia-lápis por perto, porque o traço fino aprimora sempre uma arte final."
                                                                                                                                                                                                        Mário Augusto

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